Não há nada mais difundido no mundo do que o “amor”. O ideal, que pode ser romântico ou não, permeia a humanidade há milênios, mas ainda causa dificuldades em homens ou mulheres que buscam entender: afinal, o que é o amor?
Nos momentos de maior inquietude, podemos buscar respostas em canções ou até ajuda profissional para aprender a lidar – e a entender – com nossos sentimentos. Universa foi atrás da resposta sobre o que é o amor, ouvindo especialistas que podem guiar a busca pela origem e significado desse sentimento.
A origem do conceito de amor
Foi o dramaturgo grego Aristófanes quem apresentou a ideia de que, no início dos tempos, os seres humanos eram interligados e possuíam duas cabeças, quatro braços e quatro pernas. Revoltados contra Zeus, travaram uma batalha com os deuses. Perderam e foram separados, fadando toda a humanidade a passar a vida em busca da metade que os completaria. A teoria é a origem de um dos mitos sobre o amor mais difundidos ao longo da história: o das almas gêmeas.
A fala de Aristófanes integra “O Banquete”, obra de Platão considerada uma das raízes do conceito de amor. “livro extrapola os limites da filosofia e vai para o senso comum”, diz a professora de filosofia antiga da UFC (Universidade Federal do Ceará) Maria Montenegro. Escrito em 380 a.C., o livro ambienta uma festa com diálogos de 10 filósofos em homenagem a Eros, o deus grego do amor e filho de Afrodite – representado pelo cupido na mitologia romana.
Ali se explica que existiam dois Eros: o pandêmio (vulgar) – do desejo carnal e que atinge a todos -, e o urânio (celeste) – protetor de amores “mais elevados”, ligados ao conhecimento e não-românticos. O segundo se assemelha à philia, conceito grego muitas vezes também traduzido como “amizade”, considerado um dos tipos de amor (junto com eros, storge e ágape, recuperados no livro “Os Quatro Amores”, escrito por C. S. Lewis em 1960).
Para Platão, o “eros” é uma força de reprodução capaz de imortalizar amores e pensamentos a partir da união de pessoas naquilo que é bom e belo, sob o entendimento de cada um. “Dentro da perspectiva filosófica, o amor sempre implica um outro. É uma implicação muito latente”, explica a professora.
Na Grécia Antiga, o foco estaria sobretudo no campo pedagógico da coisa, ou seja, a busca pela alma gêmea não seria por um encontro romântico, mas em especial por uma união filosófica. “Por que a filosofia não abandona o eros? Porque ele tem esse poder de geração e a filosofia precisa gerar o que produz, que é o amor pela sabedoria”, completa.
A partir dos pensamentos de Platão, estudiosos de diversos campos passaram a procurar e traçar explicações para um sentimento tão complexo como o amor. “Ao longo da história filosófica, o amor continua tendo a mesma essência que sempre teve: uma entrega radical de corpo e alma. As pessoas se protegem dele muitas vezes, mas Eros, o cupido grego, nos flecha”, afirma a professora do departamento de filosofia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Maria de Lourdes Borges.
O que é o amor e amar alguém de verdade?
São 15 os significados para o verbete “amor”, segundo o dicionário Michaelis. A maioria cita um sentimento de atração “frequentemente acompanhado pela amizade e por afetos positivos”. Mesmo para quem estuda o assunto, é difícil contextualizar a explicação.
“O conceito do amor é um dos mais amplos que existem. Mesmo dentro da psicologia, nós podemos contextualizá-lo de várias formas. O amor pode ser expresso para várias pessoas e atividades importantes da nossa vida”, diz a psicóloga Eglacy Sophia, supervisora do setor de Amor e Ciúme Patológicos do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Expressar o amor é refletir vínculo da infância
Entender o que é amar esbarra na singularidade de cada um. Não existe regra de como sentir e expressar o amor, mas boa parte se explica pelas primeiras relações que tivemos na vida. “Conforme você aprendeu a se vincular na infância, é como em geral você expressa o amor na vida adulta”, explica Sophia.
Segundo a psicóloga, amar de verdade é estar com alguém não pelo fato da pessoa ser perfeita, mas sim por “amá-la além dos defeitos”. Cientificamente, alguns estudos neurais apontam que o amor é uma espécie de “vício natural” que pode conferir maior qualidade de vida, quando vivenciado de forma agregadora.
“Esse vício pode ser positivo quando o amor é correspondido, não tóxico e apropriado. Pode trazer benefícios sociais, econômicos, psicológicos e, inclusive, substituir vícios negativos por substâncias como a nicotina e o álcool”, afirma a psicóloga Andrea Stravogiannis, coordenadora do Setor de Amor e Ciúme Patológicos do Hospital das Clínicas.
Já na filosofia, amar é sinônimo de ação. “O amor não é um sentimento passivo, ele incita à ação de estar perto, na companhia do ser amado”, diz a professora Maria Borges. Ou seja, o amor significa lançar-se na busca pela reciprocidade, tendo o desejo de unir-se à pessoa amada e não apenas contemplá-la.
O que é o amor entre um casal?
No vínculo sadio entre um casal, segundo Stravogiannis, é essencial que existam quatro pontos: honestidade, comunicação assertiva, aceitação da pessoa como ela é e respeito.
“Chamamos de amor saudável aquele que estabelece e respeita os limites de cada um, admira e elogia um ao outro, fala abertamente sobre seus desejos e sentimentos, respeita o espaço e as amizades individuais, se interessa pelos projetos um do outro e conversa sobre as divergências”, reitera a psicóloga.
Sobre as almas gêmeas, a profissional afirma que “são raras, mas que podem acontecer”. “O problema deste conceito é que carrega a ideia de que um só será feliz enquanto estiver com o outro, isto é, de que ser feliz não é possível quando se é solteiro”, completa.
Fases do amor
De acordo com a psicóloga, as fases do amor são divididas em:
- Paixão: pensamentos constantes sobre a pessoa e vontade de estar junto – que dura, em média, de seis meses a dois anos, e quando ainda não se conhece a pessoa por inteiro;
- Comprometimento: fortalecimento dos laços;
- Desilusão: problemas do cotidiano tomam grandes proporções, fim da fase do enamoramento e encontro com a realidade da pessoa;
- Amor real: aceitação da pessoa e, em alguns casos, fortalecimento da relação;
- Transformação: calmaria e reciprocidade.
Desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Robert Sternberg em 1986, a Teoria Triangular do Amor indica que o sentimento é um mix de paixão, intimidade e compromisso. O primeiro se relaciona com o desejo e atração s3xual; o segundo, com a capacidade de estabelecer um vínculo; e o último com a decisão de permanecer e compartilhar experiências a longo prazo.
“Nem todo mundo consegue [reunir os três elementos], porque não encontra, porque não dá sorte”, afirma a psiquiatra Carmita Abdo, professora de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e coordenadora do Programa de Estudos em s3xualidade da USP. “Às vezes você procura a vida inteira e consegue até ter intimidade e compromisso, mas não tem paixão, ou tem paixão, mas vira uma obsessão e você não consegue ter os demais. Ou ainda, você tem apenas compromisso e é aquela relação chata, em que você só devota ao outro uma parceria”, explica.
Afinal, dá para saber quando é amor?
O quanto você demanda da pessoa, se o sentimento é natural, se existe vontade e se o cuidado na relação é quase irracional são alguns indicadores de que se está amando. Mas, da mesma forma que amar é pessoal, entender o sentimento também varia e está associado à maturidade emocional de cada um.
“Não são todas as pessoas capazes de reconhecer o amor. Muitas o confundem, por exemplo, com paixão e acham que é quando têm um desejo muito forte por alguém. O amor, na verdade, é calmo, tranquilo, maduro, ele aceita o jeito do outro. Ele é seguro. E a pessoa que não tem toda a maturidade para diferenciar acaba confundindo”, explica a psicóloga Eglacy Sophia.
Também é crucial saber diferenciar amores sadios de patológicos – sentimento que estaciona na paixão e tende a idealizar a pessoa amada, levando a relações dependentes, abusivas e doentias. Para isso, é necessário ter atenção ao vínculo que predomina no relacionamento.
“Quando saudável, o amor leva individualmente as pessoas ao crescimento, seja na vida profissional, financeira, familiar, até na saúde física. Quando o vínculo é patológico, a pessoa se sente estagnada, não caminha, porque ela coloca toda a vida no relacionamento, na queixa, na insatisfação, na idealização, tirando a energia no sentido do progresso individual”, reitera Sophia.
E o s3xo nisso tudo?
E como o s3xo se encaixa? A psiquiatra Carmita Abdo explica que s3xo e amor não vêm necessariamente no mesmo combo. “Não é difícil ouvir que s3xo com amor tem outra conotação, mas não necessariamente a pessoa que você ama é com quem você fez o melhor s3xo da sua vida. Pode ser especial, porque tinha amor, mas você pode reconhecer que ela não é lá isso tudo no plano s3xual. Ou seja, s3xo é uma coisa e amor é outra.”
Já no campo filosófico, pensadores mais recentes defendem que o amor seria a comunhão entre o eros e a philia. É o caso do norte-americano Allan Bloom, que em “Amor e Amizade”, livro publicado em 1993, aborda que um casal tenderia a ser mais feliz se encontrasse junto formas de amar questões “maiores”.
“O amor não é só carnal, são vários tipos de prazer. Não dá para ficar só no apetite erótico, obtido de forma imediata. Porque da mesma forma que ele vem rapidamente, ele vai embora assim. Se um casal busca um amor, ele tem que ser abrangente”, afirma a professora de Filosofia da UFC Maria Montenegro.
Os efeitos do amor no corpo humano
O francês René Descartes foi um dos precursores na ideia de que os sentimentos se associam a reações fisiológicas. “Descartes pensa que nós somos formados por duas substâncias: res extensa [o corpo] e res cogitans [a alma]. A paixão, para ele, une as duas coisas. Ela não é só uma sensação corporal, mas é algo provocado. Nós temos isso de corpo e alma”, comenta a professora da UFSC Maria Borges.
Em “As Paixões da Alma”, de 1649, o filósofo apresenta os espíritos animais como substâncias contidas no cérebro e que, ao serem ativadas, percorrem os nervos e estimulam algum tipo de ação.
Na fisiologia moderna, sabe-se que o amor é impulsionado pela ação de hormônios s3xuais e de neurotransmissores na corrente sanguínea. A testosterona é a responsável por sentir a atração inicial e, após o interesse, a dopamina e noradrenalina trazem a necessidade de manter o envolvimento. A ocitocina, conhecida como substância do vínculo, é a responsável por selar o amor e gerar a sensação de bem-estar.
“Quando os neurotransmissores dopamina e noradrenalina são liberados na circulação, entramos em um estado de maior intensidade dos sentidos e das reações físicas. É quando você pode sentir aquele frio na barriga, mão suando, empalidecimento, coração acelerado e respiração ofegante”, explica Carmita Abdo. “Tendo essa maior intensidade e, depois, quando eu me sinto acolhida e reciprocamente recebida, a ocitocina dá a sensação de aconchego, tranquilidade e relaxamento”, completa.
Eterno enquanto dure: o fim do amor
Mesmo separados, existem amores que duram para sempre? Sim, mas especialistas dizem que são raríssimos. Por mais latente que seja, a permanência do amor depende de um vínculo ativo entre as pessoas envolvidas. A reciprocidade, o desejo em estar junto e a entrega são primordiais para o comprometimento com a relação e, assim, manter o sentimento vivo.
“Na psicologia, existem vínculos e não acreditamos muito que eles são eternos. São eternos enquanto duram. Então, enquanto a pessoa se sente bem, suprida, amando e sendo amada, enquanto existe uma troca na relação, esse sentimento existe”, explica a psicóloga Eglacy Sophia.
Ela lembra que por isso o rótulo de casal é pouco analisado nos consultórios, já que muitos perdem o vínculo do amor nas relações e mesmo assim insistem em continuar juntos. Outra justificativa é o fato de o amor ser um sentimento lapidado no presente. Sem a ligação, ele vira um carinho guardado, um amor do passado.
“Hoje eu me enamoro por alguém, amanhã essa pessoa pode passar na minha frente e não ter esse impacto que causou, porque foi hoje. Você deixa como uma linda lembrança”, comenta Carmita Abdo. “Agora, tem amores eternos? Existe quem tenha essa capacidade de amar para o resto da vida e tem que não tenha, que precisa mudar o tempo todo. E aí, então, não era amor? O amor pode durar 10 minutos ou a vida inteira, depende das circunstâncias e dos perfis emocional, biológico e existencial de cada um.”